Pesquisa e Texto: Ana Roman. Edição: Cássia Hosni. Edição de imagens: Renata Perim
A repatriação de bens culturais, que pode ser definida como o retorno de algo a partir da reivindicação do país de origem, é um dos tópicos do debate decolonial. Ações, como as do artista Ilê Sartuzi, que forjou o roubo de uma moeda, peça emblemática do British Museum, e a devolveu via caixa de doações do museu, fazem parte desse processo de discussão.
Nesse sentido, a repatriação digital surge como uma alternativa viável e simbólica para atender a essas demandas. Um dos principais desafios da repatriação digital é o diálogo com as comunidades às quais pertencem os objetos. É crucial que essas comunidades estejam envolvidas no processo de digitalização e disponibilização dos seus acervos. Isso garante que suas perspectivas e necessidades sejam consideradas, inclusive nas legendas e metadados. Sem esse diálogo, há o risco de perpetuar a mesma dinâmica colonial de apropriação e exclusão.
Museu Paraense Emílio Goeldi
No Brasil, um exemplo significativo de restituição digital é o caso do acervo Baniwa do rio Ayari, no Alto Rio Negro, atualmente preservado no Museu Paraense Emílio Goeldi. Este acervo compreende cerca de 700 objetos etnográficos do início do século XX, guardados na Reserva Técnica Curt Nimuendajú, no Pará. Em 2012, durante uma atividade preliminar de restituição digital realizada pelo museu, os Baniwa levantaram questões sobre as práticas museológicas e as conexões e descontinuidades entre o acervo e o passado de sua comunidade.
Os Museus Afrodigitais
Outros exemplos abrangem os museus afrodigitais, que fazem parte de uma rede de pesquisa que engloba instituições nos estados da Bahia, Pernambuco, Maranhão, Rio de Janeiro, Mato Grosso e Portugal. Um de seus pilares centrais é a repatriação digital de acervos, promovendo o intercâmbio entre agentes e instituições nacionais e internacionais com foco na digitalização de documentos sobre a diáspora africana, estudos africanos e relações étnico-raciais.
O Museu Afro Digital UFBA é um importante exemplo dessa iniciativa. Seu acervo oferece cópias de documentos, depoimentos e fotografias históricas, e suas exposições focam em temas específicos e aproveitam o acervo próprio e de outras instituições parceiras. Ao recuperar e disponibilizar esses materiais em formato digital, o museu busca possibilitar a descolonização da memória e imagem da população negra. Além disso, questiona a política patrimonial tradicional e propõe a gestão coletiva da memória com o uso de plataformas e tecnologias digitais.
Repatriação Digital do Acervo Confiscado de Terreiros
Parcerias do Museu Afro Digital com o Museu da Abolição, de Pernambuco, e o Centro Cultural São Paulo, propõe a restituição digital de objetos das Missões de Pesquisas Folclóricas, coletados em terreiros de Recife entre 1938 e 1940, em um período de intensa repressão cultural.
Resgatar essa memória denuncia a violência perpetrada pelo Estado contra o povo de terreiro, contribuindo para o conhecimento de episódios passados que não devem ser esquecidos, evitando sua repetição no presente e futuro. Isso incentiva o fortalecimento de políticas públicas que protejam e garantam o direito constitucional de liberdade religiosa e de expressão.
A repatriação digital é um dos temas discutidos no nosso Projeto Temático Fapesp. Você conhece outros casos? Envie nos comentários.
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