Acervos em movimento: Documentação social, IA e Curadoria colaborativa

Catalogação é uma prática essencial para lidar com a documentação social. Com o avanço das tecnologias digitais, a catalogação pode ser aprimorada e diversificada, permitindo a participação ativa de pessoas de diferentes perfis, o uso de inteligência artificial e a colaboração entre diferentes instituições

Partial map of the Internet based on the January 15, 2005
Partial map of the Internet based on the January 15, 2005. Wikimedia

A documentação registrada em arquivos oficiais geralmente é produzida por instituições governamentais, empresas ou outras entidades com poder institucional e autoridade para documentar eventos e processos importantes. Esse tipo de documentação é geralmente formal, focado em questões legais, e muitas vezes limitado ao que é considerado relevante para essas instituições. [1]

Já a documentação social é produzida por indivíduos e comunidades em seu cotidiano, muitas vezes sem uma preocupação formal com a documentação e pode ser encontrada em fotos, vídeos, postagens em redes sociais e outros materiais criados e compartilhados . Esse tipo de documentação fornece um registro mais diverso, incluindo perspectivas e vozes que podem ser ausentes na documentação oficial. A documentação social também pode ser usada para desafiar ou complementar a documentação oficial e fornecer múltiplas visões de um evento ou processo.

Casos de estudo e possibilidades

Um exemplo interessante de catalogação via crowdsourcing é o projeto “By the People” da Biblioteca do Congresso dos EUA. Esse projeto permite que voluntários ajudem a transcrever e marcar manuscritos históricos, tornando esses documentos mais acessíveis, plurais e pesquisáveis.

Outro exemplo de catalogação inovadora é a iniciativa do Metropolitan Museum de Nova York, em parceria com a Microsoft e o MIT, que promoveu um hackathon para desenvolver ferramentas de acesso e uso de sua coleção de arte. Esse evento resultou em soluções criativas e tecnologicamente avançadas para a catalogação e visualização de obras de arte.

O uso de inteligência artificial também vem sendo cada vez mais explorado na catalogação de obras de arte, como é o caso do Harvard AI Explorer. Usando inteligência artificial, os Museus de Arte de Harvard coletaram 39.388.699 descrições, cobrindo 266.309 imagens de obras de arte. As descrições variam do reconhecimento de objetos à análises faciais para prever gênero, idade e emoções nas imagens. Esses dados revelam como as IAs interpretam pinturas, fotografias e esculturas, possibilitando outras formas de compreensão dessas obras.

Outra possibilidade interessante que aventamos no nosso grupo, na direção de expandir a catalogação das obras, é a inclusão de dados do Google Maps, que nos permitiriam, por exemplo, identificar quantas vezes uma obra foi fotografada por visitantes e em quais locais. Essas informações geradas coletivamente podem voltar para a plataforma de catalogação, enriquecendo ainda mais a documentação social.

A inserção de dados na Wikipédia também pode ser uma estratégia eficaz para a catalogação, pois permite, a partir dos verbetes,  estabelecer relações com arquivos análogos através de APIs. No entanto, é importante ressaltar a escassez de informação sobre a Arte Digital brasileira na Wikipedia, o que torna ainda mais relevante a inclusão de dados nessa plataforma para operacionalizar o acesso a essas informações.

Além disso, pensamos que eventos imersivos em coleções de arte, a partir de listas curatoriais feitas pelos museus, podem ser uma oportunidade para a catalogação de obras e a contextualização de sua história e trajetória. Contudo, é necessário criar um ecossistema capaz de equacionar um gradiente de propostas curatoriais, que se abra para outras ramificações não previstas.

Por fim, vale mencionar, como estratégia de catalogação otimizada para a Internet, o site do MoMA, que é uma referência em catalogação de obras de arte e oferece uma ampla variedade de informações e recursos para pesquisadores, curadores e interessados em geral. Através do seu site, é possível acessar informações detalhadas sobre a coleção, exposições passadas e presentes, além de recursos educacionais e ferramentas de pesquisa.

A gestão de acervos aprimorada pelas IAs Generativas

A evolução da tecnologia e da inteligência artificial tem trazido uma nova perspectiva para a gestão de acervos culturais. Instituições como o Cleveland Art Museum e o Cooper Hewitt estão utilizando ferramentas inovadoras para agregar mais informações e contextos às obras presentes em seus acervos.

O Cleveland Art Museum, por exemplo, possui uma busca integrada ao Bing que carrega informações das redes sociais e outras fontes aos objetos do acervo. Já o Cooper Hewitt permite a navegação por cores no acervo, além de cruzar informações, como data de aquisição para gerar curadorias de seu acervo.

Outra possibilidade que antevemos é a inclusão de informações da Wikipédia/Wikimedia nas obras e na biografia dos artistas, a fim de enriquecer a contextualização e fornecer mais referências aos interessados. Seria importante também, ligar as obras aos discursos críticos sobre elas, disponíveis online, a partir do Google Scholar e Academia.edu. Uma estratégia desse tipo foi usada no site do VideoBrasil, ainda que a partir de buscas internas no seu acervo, mas com base em uma curadoria de tags inovadora.

É importante questionarmos como incluir discursos críticos não canônicos e fugir do formalismo institucional, incorporando leituras das exposições feitas por profissionais da limpeza e seguranças.

Um grande desafio, que gera muita dúvidas diz respeito sobre como criar um ambiente que preserve o rigor contextual e, ao mesmo tempo, a anarquia dos dados. Outro desafio a enfrentar em um modelo de gestão baseado em IAs é evitar o darwinismo dos dados, que tende a reforçar condicionantes de poder.

A gestão de acervos baseadas em IAs generativas é uma tendência que poderá transformar os processos de documentação e preservação da cultura. Ainda há muito a explorar, mas é inegável que as possibilidades de enriquecimento e democratização do acesso ao patrimônio cultural são imensas.

Curadoria colaborativa e acesso à informação em plataformas online de acervos

A curadoria de acervos feita pelo público está se tornando cada vez mais viável com o acesso às plataformas on-line, que oferecem recursos avançados de visão computacional para navegação no acervo. Duas plataformas que se destacam nesse sentido são o MosAIc e o British Museum. O MosAIc oferece recursos avançados de visão computacional para navegação no acervo, permitindo que o usuário possa explorar obras de arte de uma forma mais imersiva e interativa. Já o British Museum possui uma interface de acesso ao acervo que permite diferentes navegações cruzadas via cronologia e conteúdos.

Importante ressaltar que muitos sites utilizam sistemas de indicação de obras semelhantes, seguindo um modelo pautado pelas estratégias de e-commerce, onde um produto indica outros produtos relacionados. No entanto, no campo das artes, a aproximação baseada em palavras-chave pode reforçar hegemonias correntes no campo das artes e apropriações que reforcem discursos de ódio.

Uma forma de evitar isso é criar sistemas parasitários que possam comparar diferentes perspectivas acerca dos verbetes. O Search Atlas é um exemplo disso, pois permite que o usuário possa comparar diferentes resultados de busca em diferentes plataformas, evitando assim discursos de ódio e reforçando a pluralidade de perspectivas.

Outra alternativa que nos parece mais rigorosa e promissora é a introdução de sugestões automáticas de obras pesquisadas por outras pessoas que acessaram um determinado resultado, como faz o Metropolitan Museum de Nova York, indicando um uso mais crítico e criativo das inteligências distribuídas nas redes.

Notas

[1]  Texto redigido pelo ChatGPT, elaborado a partir das notas da reunião do projeto temático Fapesp LinCar, realizada no dia 21/03/2023, com a presença de: Ana Magalhães, Bruno Moreschi, Dalton Martins, Giselle Beiguelman, Heloisa Espada, Paula Perissinotto, Priscila Arantes, Renata Perim. Edição final: Giselle Beiguelman

Leituras relacionadas

BISCHOFF, K. et al. Can all tags be used for search? Proceedings of the 17th ACM Conference on Information and knowledge management. Anais…: CIKM ’08.New York, NY, USA: Association for Computing Machinery, 26 out. 2008. Disponível em: <https://doi.org/10.1145/1458082.1458112>. Acesso em: 22 mar. 2023

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